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01 de abril de 2018

 

A Tenente Janayna Gomes Paiva Oliveira propôs ação judicial de reintegração após ter sido licenciada indevidamente, porque mantinha dois cargos públicos, de Dentista do Exército e Odontóloga da Prefeitura de Campo Grande-MS.


Em fevereiro de 2009, mediante seleção pública, a autora ingressou na carreira militar, como 2º Tenente ODT - Dentista, indo servir inicialmente no 17º Batalhão de Fronteira (CORUMBÁ-MS) e depois sendo transferida para a 14ª Companhia de polícia do Exército (CAMPO GRANDE-MS) (folhas de assentamentos individuais em anexo).

Em 25/07/2012, mediante concurso público de provas e títulos, a autora entrou em exercício do cargo público de ODONTÓLOGA da Prefeitura Municipal de Campo Grande-MS.

A autora, desde então, passou a exercer, concomitantemente, os dois cargos públicos, mas sem que houvesse sobreposição de horário de um ou de outro serviço.

Em face do ocorrido, no ano de 2012, a administração militar resolveu instaurar uma sindicância, tendo como sindicada a autora, a fim de apurar a possível irregularidade da duplicidade de cargos públicos.

Todavia, a sindicância realizada sumariamente pela administração militar da 14ª Cia PE acabou sendo anulada pelo Chefe do Estado-Maior da 9ª Região Militar em face de que restou constatado a existência de vários vícios no desenvolvimento do processo administrativo (sindicância).

No DIEX nº 139 – Div Jurd.C/9ª RM, de 05 de fevereiro de 2013, do Chefe do Estado-Maior da 9ª Região Militar (em anexo), após análise dos autos da sindicância, concluiu da seguinte forma:

“Desta forma, restituo a esse Comando os autos em anexo, orientando que a sindicância objeto desta análise seja anulada, em virtude de vício insanável que macula o procedimento administrativo, por não ter sido garantida à sindicada o direito constitucional do contraditório e da ampla defesa, sugerindo, ainda, a abertura de um novo procedimento para apurar os fatos em tela.”

Assim, em 27 de fevereiro de 2013, a autora recebeu uma “Notificação Prévia”, informando-a da existência de uma nova sindicância instaurada pela Portaria nº 007 – SECT/14ª Cia PE, de 19 de fevereiro de 2013, do comando do quartel onde servia, com a finalidade “de apurar se há respaldo legal para que a militar em tela obtenha vínculo empregatício, mesmo através de concurso, com outra instituição pública”. Ato contínuo, foi intimada a prestar depoimento, no dia 05 de março de 2013, a fim de prestar esclarecimentos sobre a matéria em apuração e dar prosseguimento ao processo administrativo.

Destarte, e não obstante a instauração da nova sindicância, no mesmo dia em que deveria se ver interrogada, a autora recebeu a informação de que, por causa de uma decisão adotada pela Prefeitura Municipal de Campo Grande, que equivocadamente entendia haver ilicitude de acúmulo de Cargo Público, a administração militar resolveu licenciá-la imediatamente das Forças Armadas, sendo-lhe negada, novamente, qualquer forma de defesa.

No Boletim Regional foi publicado o ato de licenciamento, nos seguintes termos:

“Licencio, nesta data, “ex-officio” por conveniência do serviço, devido ao acúmulo de cargo público permanente, de acordo com incisos XVI e XVII do Art 37 e inciso II do § 3º do Art 142 da Constituição Federal; incisos II e III do § 2º e o § 3º do Art 32 do Dec Nr 4.502 – RCORE (R/68) combinado com os § 2º e 3º e incisos III e VI do Art 169 das Normas Técnicas para a Prestação do Serviço Militar Temporário (EB30-N-30.009), 1ª Edição, 2012, aprovadas pela Port Nr 046-DGP, de 27 Mar 12 (BE Nr 14/2012) a oficial a seguir relacionada, da área desta Região Militar, na OM a seguir especificada:

(...) JANAYNA GOMES PAIVA OLIVEIRA”

Diante deste quadro de ilegalidade, a Oficial Dentista então promoveu ação judicial a fim de ver protegidos seus direitos então violados.

Na ação judicial, seu advogado defendeu a seguinte tese:

“A autora exercia a função de DENTISTA no Exército Brasileiro, desde que ingressou nas fileiras das Forças Armadas em 2009.

A autora, em 2012, ainda passou a acumular outro cargo público, junto a Prefeitura Municipal de Campo Grande, também na função de Odontóloga, resultado do êxito obtido em concurso público para a sua admissão.

Enfatiza, ainda, que os cargos que ocupava, tanto no Exército como no Município de Campo Grande, são privativos de profissional de saúde, ou seja, tanto no órgão militar, como no civil, é Dentista, e sem que houvesse qualquer conflito de horários entre os dois cargos públicos.

É de todo sabido que vige no Brasil a regra da não-acumulação remunerada de cargos, empregos e funções públicas. A abrangência desta vedação é a mais ampla possível, pois o inciso XVII do art. 37 estendeu a proibição de acumulação remunerada de cargos, empregos e funções públicas para toda a Administração Direta e Indireta dos três Poderes de quaisquer entes da Federação, bem como para as demais sociedades controladas pelo Poder Público, direta ou indiretamente, por meio de suas entidades da Administração Indireta.

Contudo, a exceção a essa regra encontra-se no art. 37, XVI, da Constituição Federal quando menciona as hipóteses em que, havendo compatibilidade de horários e observado em qualquer caso o teto remuneratório dos ministros do STF, a acumulação remunerada é permitida, a saber: a) a de dois cargos de professor; b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;

O aludido dispositivo aponta para a certeza de que a cumulação, como exceção à regra geral, somente é admitida nas hipóteses expressamente contempladas pelo legislador constituinte como forma de resguardar os princípios da moralidade e eficiências administrativas, estendendo-se a vedação à cumulação aos servidores inativos.

Emerge, então, a certeza de que, aliada à compatibilidade de horários, a cumulação de cargos públicos e a percepção cumulada de proventos e vencimentos somente é constitucionalmente admitida em se tratando: (i) de dois cargos de professor; (ii) de um cargo de professor com outro técnico ou científico; (iii) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.

Importante registrar que o texto constitucional original, ou seja, o de 1988, restringia a acumulação no campo da saúde para os cargos de médico, exclusivamente. Foi a Emenda Constitucional nº 34, de 13 de dezembro de 2001, que modificou o texto, trazendo a previsão para “profissionais da saúde”. Agora não apenas os médicos, mas outros profissionais diretamente vinculados a atividades desse setor e desde que possuam suas profissões regulamentadas poderão acumular cargos ou empregos públicos remuneradamente.”

O MM. Juízo Federal de Campo Grande então deferiu LIMINARMENTE a reintegração, em 20 de junho de 2013:

“...presente o requisito da verossimilhança das alegações da autora, assim como o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, consubstanciado na impossibilidade do exercício de atividade lícita pela autora, conquistado a custa de concurso público, impõe-se a antecipação de tutela. Assim, antecipo os efeitos da tutela para determinar que a autoridade militar reintegre a autora e prorrogue o seu tempo de serviço de oficial temporário.”

Todavia, a administração militar ainda tentou oferecer resistência ao cumprimento da ordem, tendo que ser novamente intimada sob pena de desobediência.

A União ainda recorreu da decisão, mas o recurso foi rejeitado em todas as instâncias.

Por derradeiro, finalmente sobreveio a sentença, de PROCEDÊNCIA, em 16 de janeiro de 2018, confirmando a liminar, e condenando ainda a UNIÃO a pagar os meses que a autora ficou afastada do Exército antes do cumprimento da liminar.

Da SENTENÇA:

“Com efeito, a jurisprudência pátria vinha entendendo que a possibilidade de acumulação remunerada de dois cargos públicos, privativos de profissionais de saúde, facultada pela Constituição Federal (art. 37, XVI, c), era aplicável aos servidores civis, não se estendendo aos militares, diante do que consta no art. 142, 3º, II da CF/88. Sucede que não se pode deixar de levar em consideração que o dentista ou médico militar não desempenham atividade militar propriamente dita, mas executam atividades idênticas a tais profissionais na esfera civil. No passo, tenho que a vedação estabelecida pelo artigo 142, 3º, inciso II, da Constituição Federal, de fato, refere-se apenas nos militares que possuem a função tipicamente das Forças Armadas, cujos critérios e requisitos da seleção para a ocupação dos respectivos postos espelham o nível de dificuldade que a atividade militar exige.

(...)
Na hipótese, o acervo probatório aponta para a conclusão de que a autora atua no Exército na função de Dentista (f.53), emergindo, então, a constatação de que não exerce função tipicamente militar. Ademais, há compatibilidade de horários com a função de Odontóloga exercida na Prefeitura do Município (f. 255-6), pelo que a ação é procedente. 3. Dispositivo. Diante do exposto, julgo procedentes os pedidos da inicial, confirmando a decisão que antecipou os efeitos da tutela e resolvendo o processo pelo seu mérito, com fulcro no art. 487, I, do CPC. Condeno a ré ao pagamento: 1) - de eventuais vencimentos devidos desde a data de seu licenciamento em 2013 (f. 68), acrescidos de correção monetária e juros de mora aplicados de acordo com o novo Manual de Cálculos da Justiça Federal, aprovado pela Resolução n. 134 do CJF, de 21/12/2010, alterada pela Resolução nº 267, de 2 de dezembro de 2013, ambas do Conselho da Justiça Federal; 2.2) - honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa. Isento de custas.”

Disponibilização D. Eletrônico de sentença em 16/01/2018 ,pag 363/370.
O advogado MAURICIO MICHAELSEN, OAB/RS 53.005 atua no processo e representa os interesses da autora.