A Judicialização de um Direito Remuneratório
Resumo:
O presente artigo analisa a natureza jurídica e a regulamentação do adicional de habilitação de militares das Forças Armadas, com especial atenção às recentes controvérsias envolvendo a negativa de majoração desse adicional por parte do Exército Brasileiro. A prática administrativa de indeferimentos com base em portarias internas e notas técnicas, frequentemente aplicadas de forma retroativa, tem obrigado inúmeros militares a buscarem o Judiciário para assegurar um direito legítimo. Com base em jurisprudência recente, evidencia-se a necessidade de reequilíbrio entre discricionariedade administrativa e a legalidade estrita exigida na gestão da remuneração militar.
O adicional de habilitação é parcela remuneratória prevista na Medida Provisória n. 2.215-10/2001, regulamentada pelo Decreto n. 4.307/2002, e tem por finalidade valorizar a qualificação profissional do militar, recompensando financeiramente os cursos realizados com aproveitamento. A Lei n. 13.954/2019 reafirmou e atualizou os percentuais dessa verba.
Contudo, nos últimos anos, a Administração Militar, especialmente no âmbito do Exército Brasileiro, passou a editar portarias e interpretar de maneira restritiva os requisitos para concessão desse adicional, notadamente quando se trata de cursos civis de pós-graduação stricto sensu (como mestrados), realizados por iniciativa própria, mas com evidente aplicabilidade nas funções exercidas pelo militar.
O art. 3º, III, da MP n. 2.215-10/01 define o adicional de habilitação como “parcela remuneratória mensal devida ao militar, inerente aos cursos realizados com aproveitamento, conforme regulamentação”. A regulamentação infralegal ficou a cargo do Ministério da Defesa e dos Comandos de Força, culminando em uma série de normas internas – como as Portarias n. 84-Cmt Ex/2019 e n. 1.443-Cmt Ex/2021.
A Portaria n. 84-Cmt Ex/2019 considerava equivalentes, para fins de majoração, os cursos de mestrado concluídos com êxito e pertinentes às funções exercidas, mesmo quando realizados por iniciativa própria, desde que observados requisitos mínimos como relação funcional e pertinência temática.
Porém, a Portaria n. 1.443-Cmt Ex/2021, em consonância com a Portaria Normativa n. 86/GM-MD/2020, passou a impor limitações mais rigorosas, exigindo autorização prévia publicada em boletim até 30/09/2020 para que cursos civis realizados por iniciativa própria pudessem ser considerados.
Decisões administrativas recentes têm indeferido o direito à majoração do adicional de habilitação sob argumentos baseados em notas técnicas e interpretações rígidas da Portaria n. 1.443/2021. Em muitos casos, a negativa ampara-se no fato de a autorização formal ter sido publicada em boletim interno após a data-limite, mesmo quando o curso fora previamente autorizado em despacho ou informalmente incentivado pela organização militar.
Tal prática viola princípios constitucionais e administrativos como:
Segurança jurídica e legalidade (art. 5º, caput e II, CF);
Vedação à retroatividade normativa prejudicial (art. 2º, XIII, da Lei 9.784/99);
Proteção à confiança legítima do administrado.
A judicialização da matéria tem se intensificado, e decisões recentes da Justiça Federal têm reconhecido o direito à majoração do adicional, mesmo diante da negativa administrativa:
No processo xxxxxxx-75.2024.4.04.7100, a Justiça Federal de Porto Alegre condenou a União ao pagamento do adicional de habilitação, reconhecendo a validade da autorização anterior à portaria restritiva, ainda que publicada tardiamente.
Em outra demanda (processo xxxxxxx-56.2024.4.04.7100), o magistrado destacou que a nova interpretação inovou e impôs requisito não previsto na legislação anterior, violando a segurança jurídica.
Por seu turno, o TRF4 julgando duas apelações da UNIÃO, confirmou a procedência das causa, mantendo as sentenças de procedência.
A natureza jurídica do adicional de habilitação é remuneratória e de caráter objetivo, devendo observar critérios legais e constitucionais. A prática do Exército de negar o benefício com base em portarias restritivas de vigência posterior aos atos e requerimentos administrativos configura desvio de finalidade, além de violar direitos adquiridos e a boa-fé objetiva.
Militares que se encontrem na mesma situação — com curso reconhecido, previamente autorizado, mas negado com base em publicações tardias ou em interpretações inovadoras — podem e devem buscar a tutela jurisdicional para resguardar seus direitos, conforme precedentes favoráveis já firmados.