Um militar de carreira do Exército Brasileiro, 2º Sargento da arma de Infantaria e lotado no CPOR/PA (Centro de Preparação de Oficiais da Reserva), no dia 13/05/2015, enquanto participava de uma formatura geral (atividade de serviço) realizada em comemoração ao Dia da Artilharia, no pátio do CPOR/PA, foi posicionado próximo a um canhão (obus) 105mm que seria utilizado para realizar salvas de tiro durante o evento.
No momento em que foram efetuados os disparos, todos foram surpreendidos com a abrupta descompressão de ar causada pela explosão e pelo arremesso de restos de pólvora incandescente sobre os militares, em especial do grupamento da Companhia de Comando e Serviços (CCSv), dada a extrema proximidade que se encontravam da boca do canhão.
Ademais, conforme verificado tanto na sindicância como durante a instrução judicial, a prova testemunhal foi segura ao informar que um obus (canhão 105mm) estava posicionado extremamente próximo do local onde foi determinado ao autor permanecer (cerca de 3 a 5 metros), e com a boca da arma voltada diretamente na direção do grupamento de militares, tanto que vários deles experimentaram e reportaram as desagradáveis consequências diretas do disparo.
O militar em questão foi o mais afetado pela explosão, vindo a sofrer trauma acústico com perda auditiva severa e definitiva no ouvido esquerdo.
Desde então, dada a incapacitação para a atividade militar resultante da perda parcial da audição, porque não há possibilidade de cura ou tratamento para o dano sofrido, o militar passou a realizar apenas atividades administrativas, sendo afastado da atividade fim, além do que também teve a carreira militar prejudicada precocemente, de modo que não poderá mais atingir as metas e objetivos profissionais que tinha quando entrou para as fileiras do Exército.
Tendo sido proposta então a ação judicial em desfavor da UNIÃO, sustentou-se que ali havia a responsabilidade da Administração Militar pelo resultado danoso, em razão da negligência e imperícia de sua conduta, porquanto não teriam sido adotadas as cautelas mínimas exigidas para a prática daquele ato. Afirmou-se que os militares que viriam a sofrer efeitos diretos pelo disparo de canhão não foram previamente comunicados, e nem tampouco receberam qualquer equipamento de proteção individual a fim de minimizar o impacto do disparo que seria realizado.
Destacou-se também, que, no caso, foi completamente desrespeitada pelo Comando do CPOR/PA a PORTARIA Nº 316, DE 04 DE JULHO DE 2001, do Comandante do Exército, que aprova o Vade-Mécum de Escolta de Honra e Salvas de Gala (VM 06), cuja finalidade é a de regular o cerimonial militar relativo à escolta de honra e salvas de gala , onde são previstas várias MEDIDAS DE SEGURANÇA em relação ao emprego deste tipo de arma para o exercício de salvas, entre elas: As bocas de fogo deverão estar voltadas em direção contrária do local da recepção; e, os integrantes da bateria deverão usar proteção auricular, a fim de evitar o trauma acústico causado pelo estampido dos disparos.
Em sua sentença, o MM. Juízo da 1ª Vara Federal de Porto Alegre assim se pronunciou:
Os depoimentos colhidos em Juízo (eventos 56-58), tanto do autor como das testemunhas compromissadas (militares que participaram da formatura do dia 13/05/2015 no CPOR), convergem em relação às seguintes circunstâncias que envolveram o acidente: 1) os militares estavam em formatura no pátio do CPOR, atividade de rotina do quartel, sendo que naquele dia a prática foi alusiva ao Dia da Artilharia; 2) apesar de verem o canhão no pátio, não imaginaram que haveria disparo, porquanto não houve qualquer aviso nesse sentido e o canhão estava muito próximo ao pelotão (3 a 5 metros de distância); 3) geralmente esse tipo de disparo ocorre nas comemorações de 7 de Setembro, todavia, nesse caso, há isolamento da área, os militares que operam o canhão utilizam protetores auriculares e os demais ficam a uma grande distância do artefato; 4) todos foram surpreendidos pela forte explosão, na qual partículas de pólvora foram lançadas e atingiram alguns militares que se encontravam nas primeiras fileiras, como o autor; e 5) ninguém recebeu protetores auriculares e nada sinalizava que o disparo ocorreria.
(...)
Nesse contexto, a existência de nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo autor e a conduta da Administração resta evidenciada pela prova documental acostada aos autos, bem como pelos depoimentos colhidos em Juízo. O dano moral resta configurado pelo abalo íntimo e sofrimento psíquico infligido ao autor, que, embora não se encontre totalmente incapaz para o trabalho, teve ceifada a oportunidade de pleno desenvolvimento e ascensão na carreira militar que almejava, em virtude do evento danoso causado pela Administração, do que decorre a necessidade de reparação.
(...)
No hipótese dos autos, a extensão do dano é média, pois houve perda parcial e permanente da função auditiva no ouvido esquerdo, com grande repercussão na vida profissional do autor, que é militar do Exército, pois lhe impôs limitações para as atividades tipicamente militares (cursos de atividades de aviação, mergulho de combate, paraquedismo, operações na selva, ações de comandos e demais cursos operacionais - evento 35, INF3 e INF5). Ademais, há que se considerar que a deficiência auditiva coloca o autor em desvantagem frente aos demais militares, no que diz respeito à possibilidade de concorrer aos postos mais elevados no âmbito das Forças Armadas. A culpabilidade do ofensor é grave, considerando que foi utilizado equipamento de artilharia do Exército sem as devidas precauções, expondo diretamente a risco a integridade física do autor, o qual não apenas não contribuiu para a ocorrência do acidente, como ficou impossibilitado de evitar seus efeitos. Ante tais circunstâncias, atentando à capacidade financeira do ofensor, à função de punição e desestímulo e à razoabilidade, considero adequado o arbitramento da indenização em 100 salários mínimos (de R$ 998,00), o que equivale a R$ 99.800,00.